Pedro Miguel de Bessa Mendes é um lousadense de 37 anos e é também o protagonista desta história. É natural da freguesia de São Miguel, atua no ramo das artes, especificamente na área da curadoria, e vive, desde cedo, com esclerose múltipla, uma doença crónica. Apesar de todos os fatores diferenciadores da sua vida, Pedro Mendes, em entrevista ao Terras do Vale do Sousa (TVS) abordou amplamente o seu dia a dia que não se limita, apenas, a ter uma doença.
“Aos 17 anos descobri que tinha esclerose múltipla. Foi uma angústia”
Pedro sempre teve um fascínio pelo conhecimento e considera-se “uma mente com vontade de aprender”, foi no auge do 12º ano de escolaridade, com 17 anos, que descobriu a condição com que tem convivido já há 30 anos.
“Os meus amigos da escola referiam que achavam estranha a minha maneira de andar e até a minha postura, mas, até ao momento, eu nunca tinha sentido nada de estranho e desvalorizava o que eles diziam. A verdade é que pedi à minha mãe que me marcasse uma consulta de rotina no início do ano letivo e acabei por descobrir, no auge da minha adolescência, que tinha esclerose múltipla. Foi uma angústia muito grande para mim e para todos a minha volta”.


De acordo com dados da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM) esta é uma doença crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa, que afeta o sistema nervoso central e tem a particularidade de se manifestar de diferentes formas, pelo que a doença é difícil de diagnosticar e cada diagnóstico é único. Surge, frequentemente, entre os 20 e os 40 anos de idade, ou seja, entre os jovens adultos, afetando com maior incidência as mulheres. De acordo com a Organização Mundial de Saúde estima-se que em todo o mundo existam cerca de 2.500.000 pessoas com esclerose múltipla e mais de 8.000 em Portugal.
Alguns sintomas da esclerose múltipla, como as convulsões, tremores, alteração da marcha ou até a perda de audição, são imediatamente óbvios, mas outros, como é o caso da fadiga, perda de memória e problemas de concentração, são frequentemente sintomas invisíveis, que podem ser difíceis de descrever para outras pessoas.
Apesar de ainda não existir cura, muito se alterou ao longo dos últimos 30 anos, existindo, hoje em dia, um leque de fármacos eficazes na contenção da doença, que evitam e espaçam os episódios de surto-remissão, de que são exemplo os corticosteroides, os imunomoduladores, e a terapêutica sintomática, utilizada com o objetivo de aliviar as manifestações da doença, e que o Serviço Nacional de Saúde assegura gratuitamente e de forma controlada através das farmácias hospitalares, sob prescrição do neurologista responsável.
Apesar da complexidade da doença, Pedro afirma que só depois de algum tempo pós diagnóstico é que caiu “na realidade”, mas, também, refere que a vê “como uma simples gripe”, demonstrando a simplicidade e até a maneira coloquial com que lida, todos os dias, com a esclerose múltipla. “Tenho uma postura muito positiva, vivo um dia de cada vez e cada dia é uma aventura”, afirma ao TVS. Foi internado com 17 anos na ala de neurologia para adultos do Hospital de São João, no Porto, e foi um dos primeiros privilegiados a ter acesso às “maravilhas da mediação para a esclerose múltipla”, que o ajudaram a estabilizar a sua condição.
Apesar das adversidades, ingressou no ensino superior e começou a vida académica com uma experiência de apenas 1 semestre no curso de Gestão de Património, que abandonou por não estar a alcançar as expetativas que definiu. Acabou por se licenciar em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e, mais tarde, tornou-se mestre em História da Arte Portuguesa. Inicialmente queria entrar em arquitetura, mas, depois de pensar melhor, percebeu que, provavelmente, não seria a melhor opção. Apesar da certeza de que teria capacidade de fazer o curso com muita facilidade, o facto de a doença lhe provocar muitos tremores é uma desvantagem. “Um arquiteto não pode tremer porque o objetivo do trabalho é que este seja extremamente rigoroso. A minha condição não me permitiria realizar este trabalho com o brio e perfecionismo que aplico em tudo na vida”, esclarece o lousadense. Durante os anos na faculdade Pedro teve de lidar com os problemas que qualquer jovem enfrenta nesta fase, aliando ainda o seu problema de saúde a esta “equação” que se agravava a cada sentimento de ansiedade e nervosismo propícios da situação e lhe provocavam, por vezes, surtos. No entanto, refere “o meu sonho era entrar na faculdade. Aproveite muito, pus-me à prova e orgulho-me muito do meu percurso académico”.


Depois dos estudos na universidade, Pedro, dedicou-se a tempo inteiro, à curadoria, uma paixão que tinha desde muito cedo. “O gosto pela curadoria surgiu desde que percebi, no meu 12º ano, que o mundo das artes tinha muito mais para se explorar do que apenas a arquitetura, o design ou o desenho”. Para além de alguns estágios que realizou, refere uma iniciativa de extrema importância que reflete o pensamento empreendedor do curador. Pedro Mendes desenvolveu um projeto com os alunos de artes do último ano da Escola Secundária de Lousada, do ano letivo 2019/20, que tinha como objetivo permitir aos jovens demonstrar à comunidade, em geral, o seu talento e as obras que tinham desenvolvido, adquirindo conhecimentos extra, como trabalhar em equipa, ser gestor e curador por 1 dia, ou até ser crítico de arte.
“O trabalho do curador é a realização de um sonho. Do artista e do próprio curador”
Durante a minha vida sempre gostei de lidar com a arte e percebi que ela não tem de ser sempre em papel. Organizar as coleções é, também, uma forma de arte.


Por definição um curador de arte é alguém que cuida, seleciona, organiza e exibe uma mostra. Esse processo engloba tanto a conceção da exposição como a sua administração. O papel do curador abrange as mais diversas atividades e é o próprio que decide como o orçamento definido será orientado e quais trabalhos serão expostos, além disso, precisa de saber interpretar as obras e conseguir transmitir a ideia do artista para seu público. “Organizar uma exposição é como organizar um sonho. O primeiro passo é escolher o espaço expositivo e convidar os artistas que podem ser pintores, escultores, ou outros, e avaliar se os mesmos têm material para expor, percebendo o “porquê” da exposição. O último passo é fazer a folha de sala que reflete o que os expetadores vão ver. “A minha forma de trabalhar depende muito de cada exposição e de cada artista. Não tenho um método definitivo de como vou organizar as obras. Um curador tem de ser flexível e de se moldar tanto aos artistas, como aos espaços”. Com um currículo onde constam várias exposições, algumas delas no município de Lousada, e outras tantas fora das fronteiras concelhias, o seu “último sonho realizado” a nível profissional é intitulado “Maio Cultura mil”, esteve patente na biblioteca da FLUP até ao dia 31 de maio deste ano, em parceria com a designer e artesã lousadense Cátia Moura e com outros artistas. Pedro foi o responsável pela curadoria da exposição que teve como objetivo criar “reverberações e sinapses inesperadas, entre palavras e peças habitantes de um mesmo espaço e fazer dos visitantes uma parte ativa da exposição”. No entanto, e apesar do grande gosto com que realiza cada uma das exposições, afirma que “ser artista em Portugal é viver a pão e água. Há falta de apoios. É preciso estar no submundo da arte, ou ter um negócio associado a ela para se conseguir sobreviver”.
“Não posso pensar na doença todos os dias e tenho de me moldar consoante a minha condição me permite”
Hoje em dia Pedro Mendes concilia a sua vida enquanto curador com a sua vida com esclerose múltipla e afirma, orgulhoso do seu percurso de vida, que “a esclerose múltipla não impede ninguém de viver, temos de aprender a viver com ela”. Criou o grupo “O gangue da esclerose múltipla”, que já se tornou um grupo a nível nacional e que já contou com algumas sessões de esclarecimento da doença e com a caminhada sob o mote “Caminhar a Esclerose Múltipla”. Esta caminhada contou com a parceria da SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla e convidou a população a participar, realizando o seu percurso de forma autónoma no Parque Urbano Dr. Mário Fonseca, em Lousada, em maio de 2023. Hoje vivendo com 88% de incapacidade, Pedro Mendes considera-se uma pessoa de sorte por todas as oportunidades que a vida lhe deu e que o próprio conquistou. Refere ainda que já passou por todos os tratamentos existentes, até pelo Centro de Reabilitação do Norte e que, de momento, se encontra sem medicação. “Não há nenhum país na europa que esteja melhor do que Portugal no tratamento da esclerose múltipla, os médicos são incansáveis”. Por fim, o artista remata “tudo o que os doentes com esclerose múltipla precisam é de recuperação. Eu até costumo dizer que tenho de ser curador de mim próprio”, conta Pedro ao TVS referindo-se à palavra “curador” no sentido profissional, já que ele próprio pretende organizar a sua vida como se de uma exposição artística se tratasse, mas também enquanto curador da própria alma.

