José Maria da Silva e Marques é o nome completo do protagonista desta história. Muitos conhecem-no por José Marques e outros até por José Maria. Tem 49 anos e é técnico profissional de bibliotecas e documentação na Biblioteca Municipal de Lousada desde 2005. Assumiu a presidência da ALDAF – Associação Lousadense dos Deficientes, dos seus Amigos e Familiares em 2014. Este lousadense é sinónimo de resiliência e força de vontade. José Maria é cego e, todos os dias, vence as batalhas que a doença lhe impõe desde bebé.
“Desde pequenino tenho problemas de visão ainda bebé, com 1 ano de idade, eu ceguei do olho esquerdo. Chorava muito da vista e tinha problemas em ver luzes fortes, por exemplo, o sol. Não conseguia ver, porque começava logo a chorar pelo olho esquerdo. Então os meus pais levaram-me ao médico e diagnosticaram-me um problema no saquinho das lágrimas. Fui operado e acabei por cegar. Na outra vista verificara, mais tarde, que tinha miopia, mas dava para fazer tudo o que numa criança dava para fazer”, conta José Marques.
O problema estava descoberto e eis que começam a surgir as primeiras dificuldades.
“Na escola tinha algumas dificuldades a olhar para o quadro, colocavam-me na primeira fila, mas mesmo assim tinha problemas em ver para o quadro”, revela José Maria.
A doença parecia estar controlada, mas, aos 12 anos, surge o “pior cenário”.
“Tive um problema na vista direita por descolamento da retina. Eu estava num arraial de São Pedro e, à noite, reparei que as luzes estavam um bocado descoloridas, como se eu estivesse a ver as coisas com óculos de sol. No dia a seguir a situação piorou, as cores já não eram como eu as via. Olhava para o sol e era como se estivesse uma névoa como se estivesse de óculos de sol. Fui ainda nesse dia para o Hospital São João, onde estive 15 dias internado, fiz 2 operações e fiquei com baixa visão. Via muito pouco, conseguia desenhar com cores muito fortes, mas ler já não conseguia, com o tempo a visão começou a piorar”.
E como é que um jovem lida com a perda de visão? José Maria responde que “na altura, eu não tive grandes prolemas porque era um inconsciente e tive a sorte de ser internado no Instituto São Manuel, no Porto”.
O Instituto São Manuel é uma escola para crianças e jovens cegos. José Maria entrou no Instituto com 14 anos e lá permaneceu durante 2 anos e meio, em serviço de internato, e só ia a casa ao durante o fim de semana. Assegura que foi lá que aprendeu grande parte do que sabe hoje. Assume que “a primeira semana foi difícil, mas depois integrei-me bem, os miúdos de lá começaram a ser os meus irmãos, os professores e auxiliares começaram também a ser os meus tios e eramos uma família praticamente. Tive uma excelente reabilitação, eles ensinavam-nos as tarefas da vida diária e a orientação de mobilidade e depois quando tivéssemos a carta da bengala até podíamos sair, aliás eles incentivavam os jovens da minha idade a explorarem o mundo cá fora”.
Mas assim que o percurso no Instituto terminou, restavam poucas hipóteses.
“Quando saí tinha 2 opções, podia ficar em casa ou continuar estudos. Então optei por ir para a escola e terminei o 12º ano, em 1998, com o apoio dos professores e dos colegas, que tive a sorte de ter”.
Apesar da boa preparação trazido do Instituto, o percurso na escola não foi fácil. Fosse pelo pouco material disponibilizado ou “pelas máquinas obsoletas que estavam sempre a encravar”. José Maria terminou o ensino secundário em 1998, mas, só 1 ano depois, apoiado pela professora Fátima, decidiu candidatar-se à universidade. Foi aceite na Faculdade de Letras da Universidade do Porto no curso de sociologia. O curso “não corria mal”, mas não era aquilo que José imaginava. Foi então que teve conhecimento de um curso de assistente administrativo na ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal). Desistiu da licenciatura e decidiu ingressar no curso, foi já na fase de estágio que surgiu a oportunidade de estagiar na Biblioteca Municipal de Lousada. José Maria deu início ao projeto de “leitura especial e montámos a sala para cegos”. A produtividade do estágio foi de tal ordem que, em 2015, assina o primeiro contrato de trabalho na Biblioteca Municipal de Lousada, onde se mantém até hoje. Tirou, entretanto, o curso de profissional de bibliotecas. A entrada no mercado de trabalho foi “uma vitória”.
“Entrar no mercado de trabalho é um grande passo, não é muito fácil uma pessoa com deficiência ter trabalho. Então entrar no mercado de trabalho e integrar-se naquela equipa da biblioteca foi muito importante porque me possibilitou não estar em casa sem fazer nada e depois é importante porque me tratam como se fosse uma pessoa normal”, admite José Marques.
O trabalho na Biblioteca Municipal é estimulante, mas José Maria não desistiu dos estudos. Voltou à universidade em 2009 para tirar a Licenciatura em Educação, que terminou em 2013. E foi no ano seguinte, em 2014, que surgiu um dos grandes projetos de vida de José Maria, a presidência da ALDAF.
A criação da associação surgiu da necessidade de criar um espaço dedicado a pessoas deficientes no concelho, para que se pudessem entreter e não ficarem em casa. Para isso, José Maria contou com a ajuda do amigo Miguel Ângelo e de João Ferro, cunhado do doutor Mário Fonseca, e dono de uma farmácia, em Lousada. A ideia de colocar “amigos e familiares” no nome da instituição surge pelo facto de “estes serem fundamentais para uma associação”.
A 16 de agosto de 2014 surge então a ALDAF (Associação Lousadense dos Deficientes, dos seus Amigos e Familiares) e, por insistência de muitos, José Marques tomou posse como presidente da associação. E, nos 9 anos de associação, nem tudo “são rosas”.
“Não têm sido tempos fáceis, temos conseguido levar o barco, mas não é fácil. Temos altos e baixos”, reconhece o presidente.
Atualmente, a ALDAF funciona nas instalações da Junta de Freguesia de Alvarenga, espaço que lhe é cedido gratuitamente pela Junta de Freguesia e onde funcionam, todos dias, as atividades para os cerca de 14 participantes.
“Estamos aqui bem. Temos uma boa sala e o espaço é acessível. A Junta de Freguesia tem-nos apoiado muito” revela José Marques.
Ainda assim, o responsável máximo pela associação assume que “precisávamos de mais apoios. Temos o apoio da Junta e da Câmara e de algumas empresas, mas claro que era bom termos mais”, identifica o presidente.
Atualmente, a associação conta com cerca de 118 sócios, mas “nem todos com as cotas em dia”. Qualquer pessoa pode ser sócia da ALDAF, para isso basta dirigir-se às instalações da Junta de Freguesia de Alvarenga, onde os participantes se reúnem diariamente para participarem nas atividades, ou a qualquer membro da associação e preencher o formulário de inscrição mediante o pagamento.
Para todo este percurso, José Maria conta com o apoio incondicional dos pais e irmã, que “sempre me ajudaram e incentivaram em todos os meus projetos e planos. Nunca tive os meus pais a dizerem para não ir ou não fazer”, remata.