23 abril 2025, 09:16
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    Estar 365 dias disponível para aqueles que foram deixados ao esquecimento

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    O abandono animal é uma realidade dura e sensível e, em 2023, havia mesmo quase um milhão de animais abandonados nas ruas do país. Mas para contrariar estes números, há quem faça da sua ocupação principal o resgaste, acolhimento e tratamento destes animais que foram deixados totalmente ao esquecimento. Paulo Magalhães é um deles. Está há três anos a trabalhar no Centro de Recolha Oficial de Animais (CROA) de Lousada, e diz fazê-lo completamente “por amor”.

    Quando, há dez anos, Paulo Magalhães adotou, na CROA de Lousada, a sua cadela, não imaginaria que viria a trabalhar nesse mesmo sítio. Agora, depois de deixar uma profissão ligada à gestão, dedica-se inteiramente a este espaço que resgata e acolhe animais que estão na rua.

    Resgates esses que nem sempre são fáceis. “Os cães não são todos iguais, não se apanham todos da mesma forma. Há cães que a gente chega à rua, chama-os, eles vêm a correr, atiram-se para o colo e a gente carrega-os e trá-los embora. Há outros que dão muita luta e não caem facilmente, nem com armadilha, nem com engodo”, conta, exemplificando com dois cães irmãos que tinham acabado de chegar ao canil, e que, mesmo com uma armadilha montada durante três semanas, eles nunca lá entraram. “Até comprei frango de churrasco, mas não resultou”, confessa. Cada um é então um desafio para si e para o seu colega, Cândido.

    Por vezes, estes animais vêm com algumas feridas e, tal como explica Pedro Ribeiro, veterinário em substituição neste canil, idealmente, “os centros de recolha oficiais devem ter condições para fazer uma primeira abordagem dos animais que nos chegam com os mais variados problemas. Aqueles que temos capacidade de resolução, naturalmente que o fazemos para estabilizar o animal”. Quando se trata de algo mais grave, “existem centros de atendimento médico-veterinários que estão protocolados com os centros de recolha, em que depois de nós fazermos a estabilização do animal, este vai a esse centro para ser recuperado”, adianta.

    O CROA de Lousada existe há mais de uma década e está aberto das 8h às 17h, mas apesar desta janela horária, Paulo Magalhães alerta que os animais “não escolhem dias” e, por isso, “depois desse horário, há um serviço agregado à Guarda Nacional Republicana, que comunica com o piquete (que pode ser Paulo ou Cândido)”. Assim, se houver alguma ocorrência, “o piquete é acionado e vai resolver a situação”. Ou seja, o canil, que envolve apenas dois funcionários, acaba por ter um serviço de 24 horas, incluindo fins de semana e feriados. Isto também porque os animais são “todos os dias lavados, todos os dias vêm ao recreio passear, todos os dias são alimentados, são 365 dias por ano, 24 horas por dia, que alguém tem que estar disponível para o canil”, comenta o entusiasta por animais.

    Mais, “todos os nossos animais estão vacinados, registados em nome do município (com microchip), esterilizados e desparasitados. Fazemos isso para todos os animais que são adotados cá, para todos os animais que nós sinalizámos e que comprovámos que as pessoas tiraram da rua e para todos aqueles que sejam adotados através das associações de ajuda animal em Lousada”, acrescenta Paulo Magalhães.

    ADOÇÃO

    Estes animais podem depois ser adotados por qualquer pessoa. Para isso, basta aparecer nesta instalação lousadense, sendo que não é necessária qualquer marcação. As redes sociais do CROA de Lousada também são um palco de excelência para mostrar os animais que estão prontos para serem acolhidos numa nova casa.

    Na essência, “basta querer adotar, ter condições, ter disponibilidade e conseguir dar uma vida decente a um animal, não adotar só porque sim”, expõe Paulo Magalhães, adiantando que tentam “avaliar e enquadrar o animal à família, porque nós conseguimos fazer com que a família perceba que aquilo que tinha em mente não é ideal para o espaço que tem, ou por uma série de outros fatores conjugados”.

    Depois desse processo, o centro tenta manter contacto com as famílias para acompanhar a adaptação do animal e, quando é o caso, marcam vacinações futuras. “Temos tido muitas famílias que passado alguns anos ainda nos mandam notícias dos cães que adotaram aqui e nós ficámos contentes com isso”, revela o mesmo responsável.

    Adotar é então uma grande responsabilidade, mas há quem a assuma de bom grado. Fabiana e Joana são primas e, quando entram no canil, estão a ser praticamente arrastadas por Misu e Pantufas, dois cães irmãos de três meses e meio, que vieram ser registados e vacinados. Os animais fazem parte das vidas diárias das duas mulheres, não só por Joana trabalhar numa loja de animais, como falar muito neles e enviar frequentemente fotografias à sua prima.

    Fabiana conta que já tinha um cão, mas que tinha “aquele receio que ele estivesse sempre sozinho durante o dia”, enquanto está a trabalhar. Depois, continua, “a minha prima (Joana), tem uma loja de lavagem de cães, etc, e costuma ter a ajuda da Associação de Lousada e, na altura, pediu à minha irmã para ela cuidar de uma família de cães até serem adotados, e como eu ia muitas vezes a casa da minha irmã, gostei muito deles. Na altura, tinha pedido aos meus pais para ficar com um deles, mas disseram que não. No natal, acabaram por mo oferecer, apesar dos animais não serem prendas”. Assim, a sua irmã ficou com Pantufas e Misu foi acolhido por Fabiana. “Eles são companheiros, eles dão-nos o amor todo sem pedir nada”, diz, emotiva.

    Apesar de não conseguir acolher gatos, o CROA tem o programa CED, que consiste em capturar, esterilizar e devolver o animal à colónia que o acolheu. Além disso, também recebe os felinos caso alguém que tenha adotado os queira registar e vacinar. Exatamente o caso do Dotty, o gato adotado por Marina Madalena, professora de Educação Física numa escola em Caíde, local onde, aliás, criou uma relação com este felino, que era tímido. “Não aparecia aos miúdos. Vinha comer e fugia”, relembra a docente, acrescentando que só em janeiro deste ano é que começou a manifestar mais confiança. “Eu passava por ele quando ia dar aulas e não resistia a dar-lhe umas festinhas e ele enroscava-se nas minhas pernas, lambia-me as mãos, enfim, simpatizou”, conta.

    Marina refere que foi mesmo a altura certa para ele aparecer. “Em dezembro, morreram dois cães de uma vida, porque é que não vi este gato antes? É porque não tinha que aparecer até então, apareceu numa altura em que precisava de uma compensação”, conta a mulher, confessando que a situação lhe “tocou no coração”. Assim, depois de comunicar a sua intenção à escola, decidiu adota-lo.

    Depois, o nome acabou por ser escolhido pela sua filha mais nova. Os dois animais que tinha perdido um mês antes, e pelos quais “tinha muita estima”, chamavam-se Daisy e Scotty. E, juntando o nome de ambos, fizeram “nascer” o Dotty.

    Na ida ao canil, o veterinário revelou que este gato já tem cerca de cinco anos e Marina assume que adotar um animal já adulto é realmente um desafio, atrelado a uma grande responsabilidade, não só porque “é difícil molda-los aos nossos hábitos e rotinas”, como já trazem uma personalidade enraizada.

    Porém, Paulo Magalhães pede mesmo que se dê uma oportunidade aos animais mais velhos. “As pessoas têm a noção muito errada de que querem um cachorrinho para o ensinar, mas são os donos que deseducam os cães pequenos. E o animal mais adulto tem um maior agradecimento, porque eu acho mesmo que eles sabem que já passaram por algo mau e, quando têm algo bom, agradecem de uma forma que não dá para explicar”, afirma.

    Neste contexto, o veterinário Pedro Ribeiro relembra que “o processo de adoção deve ser um ato voluntário”, sendo que “muitas vezes, as pessoas não estão a ver a realidade, então cabe a nós pedagogicamente informar das responsabilidades que é ter um animal, que é cuidar de um animal, porque não é só ter o animal e depois não cuidar, não tratar, não socializar. E o nosso papel é verificar se há adoção que vamos ajudar a acontecer, se de facto é bem feita”.

    NOVO ESPAÇO

    Segundo o vereador da Educação, Desporto, Comunicação e Proteção Civil e Bem-estar Animal da Câmara Municipal de Lousada, a situação de abandono no município é “relativamente considerável” e, portanto, “procuramos responder a esse problema quer com a recolha desses animais que estão na rua, quer com a promoção da adoção”. Esta segunda solução revela-se mais importante, porque “não temos instalações para mantermos os animais durante muito tempo no canil, então temos que promover a adoção desses animais para que eles libertem boxes para recolhermos mais animais”.

    António Augusto Silva considera que este trabalho de promoção da adoção tem tido um “sucesso interessante” e que os gastos realizados nas cerca de 450 esterilizações anuais acabam por ser “um investimento, porque vai assegurar o bem-estar do animal, assim como impedir que esses animais se venham a reproduzir”. O responsável acredita então que se continuarem “com este trabalho”, daqui a de dez anos, “a quantidade de animais na rua já não será um problema, como não há em alguns países que começaram a fazer isto muito mais cedo que nós”.

    Entretanto, e para ajudar Paulo e Cândido nesta missão, segundo o mesmo responsável, a Câmara Municipal de Lousada aprovou, na segunda-feira, a abertura de um lugar de tratadores de animais para o canil que, em 2024, recolheu 461 animais, e registou 440 adoções. São números “para melhorar” de ano para ano, assume Paulo Magalhães, sendo que já está em projeto um novo espaço para acolher estes animais, incluindo gatos.

    Este espaço vai nascer na zona do complexo desportivo e tem um investimento de cerca de 400 mil euros, segundo o vereador do município. O objetivo é, segundo António Augusto Silva, “dar melhores condições aos serviços do CROA, não só ao termos mais capacidade para receber animais, como para promovermos mais adoções e também dar melhores condições a quem trabalha no canil”. Além disso, está pensado haver uma sala onde se possa promover “um programa pedagógico do canil onde se vai sensibilizar as nossas crianças e os nossos jovens para o bem-estar animal e para a adoção responsável”.

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