No rescaldo dos incêndios, mas com o tema ainda a quente, impõe-se uma reflexão conjunta da sociedade sobre este flagelo que, ano após ano, de forma mais ou menos gravosa, nos afecta a todos.
Todos nós tivemos a oportunidade de ver ou sofrer na pele os efeitos dos últimos incêndios, que trouxeram à memória outros de igual relevância e devastação florestal e, acima de tudo, de vidas ceifadas.
Apurou-se que os incêndios das últimas semanas consumiram, aproximadamente, 124 mil hectares, segundo as estimativas do EFFIS (Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais), tornando 2024 o terceiro pior ano da última década em área ardida e o pior desde 2017, com 146.649 hectares de área ardida desde o início do ano.
Sabe-se ainda que as zonas mais afetadas se encontram nas sub-regiões do Alto Tâmega, Ave, Região de Aveiro, no nosso Tâmega e Sousa e ainda em Viseu Dão Lafões, que totalizam mais de 110 mil hectares de área ardida.
Em resposta, o Governo veio anunciar a elaboração de um plano imediato de fixação de pessoas em zonas desertificadas, nomeadamente no interior do país, através do investimento na criação de empresas.
Não sendo uma ideia desacertada, ela é, porém, insuficiente.
Quanto ao interior desertificado, ela pode surtir efeitos, mas não de forma massiva. A verdade é que o processo de urbanização ocorre já há longas décadas e esse processo levou a que as pessoas se aproximassem e fixassem em zonas que lhes garantam qualidade e expetactivas de vida – em regra, mais próximas do litoral, com maior acessibilidades e serviços – e este processo, que nos levou a todos, por exemplo, a viver em Lousada ou áreas similares, é um processo complexo, estabelecido e difícil de inverter, pelo menos de forma significativa, como já referi.
Atente-se, porém, que grande parte destes incêndios das últimas semanas ocorreram em zona de litoral ou próxima ao litoral, com uma densidade populacional média, não propriamente desertificada ou pouco industrializada.
Os incêndios ocorreram, inclusive, em zonas mistas de habitação e de floresta.
Ouvia há dias a opinião avisada do Prof. Doutor Rio Fernandes, geógrafo, que na sua costumada praticidade, dizia que a nossa floresta é “pouco interessante”.
É pouco interessante pelas espécies que aí “residem” e pela sua densidade.
Reflectiu, ainda, na dificuldade em conhecer os proprietários da nossa floresta – muitas vezes, como sabemos, desconhecidos – por falecimento do proprietário e a Herança não conhecer a localização do terreno ou continuar indivisa – ou, quando conhecidos, podem ser pessoas mais velhas, com baixas reformas, que não conseguem ou não podem suprir os encargos de uma limpeza.
Segundo dados de 2010 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, Portugal é o país da Europa com maior percentagem de área florestal privada (97,1%) seguido da Áustria que desce imediatamente para os 81,6% – o que vem demonstrar que nem sempre a privatização de tudo, à boa moda da direita portuguesa, tem efeitos positivos.
Ora, sabemos bem que a imposição da limpeza aos proprietários – que é justa – não produz os desejados efeitos. Não se conhece o proprietário, não se conhecem os limites do terreno, não há vontade para o cumprimento ou são pessoas de baixos recursos, inexiste mão-de-obra (e maquinaria) suficiente para limpar toda a floresta portuguesa.
É uma lei de boas intenções, mas difícil de levar à prática.
No entretanto, (que me perdi em meandros), esclarecia o Prof. Dr. Rio Fernandes que a proposta que melhor auxiliava a prevenção de incêndios era a aventada pelo primeiro governo de António Costa: propriedades abandonadas (sem a gestão adequada dos recursos) ou das quais se desconhecessem os proprietários seriam geridas pelo Estado – não estamos a falar em tomar posse dos prédios, mas antes da sua gestão – passando o Estado a poder intervencionar os ditos terrenos, através do abate de eucaliptos e plantação de outra espécie (castanheiros, sobreiros…), com menor densidade, mais espaçada ou, eventualmente, quando se justificasse e adequasse, plantação de urze e giesta.
Assim faríamos diminuir uma floresta excessiva, nomeadamente quanto a árvores de crescimento rápido.
Obviamente que esta medida não visaria as propriedades privadas cujos donos utilizem a plantação de eucalipto, por exemplo, para a produção de papel – já que, em regra, são terrenos muito controlados e eficientemente tratados e limpos. A este propósito, incentivo a leitura do artigo do Expresso, de 17 de setembro, que desconstrói os mitos dos incêndios (https://expresso.pt/sociedade/seguranca/2024-09-17-conluios-de-madeireiros-interesses-de-empresas-que-vendem-material-para-apagar-fogos-e-piromanos-noturnos-os-mitos-a-volta-dos-incendios-0a3bba80)
Temos, pois, em mãos, um processo urgente de implantação de um sistema de prevenção de incêndios, que requer consenso social e nacional capaz de evitar ou, pelo menos, minimizar, paulatinamente, todo o sofrimento trazido por este flagelo: as vidas perdidas, os feridos, o risco em que se colocam os Bombeiros, a Proteção Civil, as perdas das casas e de outros bens relevantes, o dispêndio na utilização de meios, a afectação da saúde pública (todos nós respiramos um ar de baixíssima qualidade nos últimos dias), o fecho de autoestradas e paragem de circulação de comboios, etc.
Não podemos preocupar-nos apenas com a emissão de CO2 pelas indústrias e pelos automóveis, quando os incêndios (e os vulcões) são dos maiores responsáveis pela emissão de dióxido de carbono… Se estamos a proibir a produção de automóveis a combustão, então também devemos agir em relação às nossas florestas.
E sobretudo, não podemos deixar cair o assunto em esquecimento sob pena de voltarmos a chorar novas perdas no ano que se avizinha.
Aproveito este espaço para agradecer, por ser da mais justa homenagem, aos Bombeiros Voluntários de Lousada, à GNR Lousada, Proteção Civil Municipal e à Copagri, que disponibilizou cisternas, por todo o esforço, trabalho e empenho demonstrado nos últimos dias, no combate aos incêndios e no apoio à população lousadense.
O meu bem-haja!