10 dezembro 2025, 22:33
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    NÃO FIQUEM CALADAS: A URGÊNCIA DE COMBATER A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES EM PORTUGAL

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    Nos últimos anos, a violência contra as mulheres tem registado um crescimento alarmante em Portugal. Apesar das campanhas de sensibilização e das medidas legais em vigor, milhares de mulheres continuam a ser vítimas de abusos físicos, psicológicos, sexuais e económicos ­— muitas vezes dentro do próprio lar, praticados por quem mais confiavam.

    Só em 2024, foram registadas mais de 30 mil queixas às autoridades. Segundo a APAV, maioria das vítimas apoiadas eram mulheres. Estes números revelam a persistência de um fenómeno que atravessa todas as classes sociais e regiões do país, “tem-se registado um aumento nas denúncias de violência doméstica, o que nos pode transmitir uma maior consciência pública na que concerne à problemática de violência doméstica, bem como na confiança nas instituições que integram a rede nacional de apoio às vítimas”, afirma o 1.º Sargento Domingos Machado, chefe do NIAVE de Penafiel.

    Ana Ferreira, de 38 anos, viveu durante nove anos uma relação marcada por violência emocional, controlo e, mais tarde, agressões físicas. Conta que, no início, tudo parecia perfeito, “ele era carinhoso, atencioso… parecia um homem perfeito. Só que, com o tempo, começou a controlar o que eu vestia, com quem eu falava, até como eu usava o telemóvel. Achava que era ciúmes, que era amor em excesso. Mas não era.”

    A violência contra as mulheres assume muitas formas: insultos, ameaças, empurrões, chantagem económica e até vigilância digital. Segundo dados da GNR, o número de ocorrências no namoro ultrapassou as 1 500 em 2024, representando um aumento face ao ano anterior, “um dos grandes desafios para proteger eficazmente as vítimas é primeiramente conseguir com que a vítima se reconheça como tal, que consiga confiar no sistema e que se mantenha determinada até ao desfecho do processo”, explica o sargento Machado.

    Também em Penafiel, o Gabinete Janela Aberta — uma estrutura de atendimento especializada da Associação para o Desenvolvimento de Figueira — acompanha de perto a realidade da violência doméstica. Com execução desde 2006, este serviço presta apoio psicológico, social e jurídico a vítimas em situações de vulnerabilidade. “na nossa estrutura de atendimento a vítimas de violência doméstica, identificamos que as pessoas que nos procuram estão, na maioria das vezes, em situações de grande vulnerabilidade emocional, social e financeira. A nossa missão passa por facultar apoio em três grandes dimensões, numa abordagem Psicossocial: Acompanhamento Psicológico, Apoio Jurídico e Apoio Social.”

    Ana tentou procurar ajuda, mas sentiu-se sozinha, “falei com uma amiga, e ela disse que eu estava a exagerar. Que os homens são assim mesmo. A partir daí calei-me. Não queria ouvir que a culpa era minha”.

    O Gabinete Janela Aberta sublinha que “a escuta ativa, o apoio incondicional, o acolhimento sem julgamentos e o respeito pela autonomia de cada vítima são princípios fundamentais do nosso trabalho. Reconhecemos a coragem de quem procura ajuda e estamos comprometidos em garantir respostas humanizadas e eficazes”.

    A falta de compreensão da sociedade, bem como o tempo prolongado dos processos, são fatores que muitas vezes retraem as vítimas de formalizarem queixa, “o tempo em que decorrem os processos não são compatíveis com as expectativas das vítimas e esse fator muitas vezes isso contribui para o insucesso, e faz com que a vítima tenda a não colaborara com as entidades policiais e judiciais” acrescenta o sargento Machado.

    Só em 2024, 22 pessoas morreram em contexto de violência doméstica — 19 delas eram mulheres. O número de detenções por este crime aumentou 32% face a 2023, o que mostra não apenas maior ação policial, mas também maior incidência.

    A atuação da GNR tem evoluído com a criação dos Núcleos de Investigação e Apoio a Vítimas Específicas (NIAVE), formados por militares especializados em casos de maior complexidade, como os que envolvem mulheres, crianças ou idosos, “a GNR conta com militares que possuem formação especializada no apoio a vítimas vulneráveis. Os NIAVE são orientados para casos que envolvem vítimas particularmente vulneráveis, garantindo uma intervenção qualificada e adequada às especialidades do caso”.

    A associação explica que “a articulação entre a estrutura, a polícia e os tribunais é positiva no sentido que se procura que a nossa atuação seja pautada por um trabalho em rede em que o interesse da vítima, a sua segurança e o bem-estar sejam priorizados. No fundo, é pretensão da estrutura que para cada vítima exista o compromisso de salvaguardar a vida, em todas as suas dimensões, da pessoa que acompanha”, sublinha o gabinete Janela Aberta.

    Ana saiu de casa quando percebeu que a violência não ficaria apenas com ela, “ele começou a ameaçar os meus filhos. Disse-me que, se eu o deixasse, eles é que pagavam. Aí percebi que não podia continuar ali. Liguei para a linha de apoio e fui para uma casa de abrigo. A GNR tratou-me com respeito. Nunca me senti julgada. Pela primeira vez, senti que alguém estava ali para me ajudar, não para me culpar.”

    Para o sargento Machado, a prevenção também passa pela educação, “no que diz respeito à prevenção, seria muito importante aumentar as ações educativas em meio escolar para a consciencialização das novas gerações e das comunidades para esta problemática”.

    Também o Gabinete Janela Aberta, aposta fortemente na prevenção da realização de “bastantes ações de sensibilização nas diferentes faixas etárias, com mais intensidade nas crianças e adolescentes, ações de sensibilização ministradas nas escolas. Estas ações para além de terem uma pretensão de intervenção primária, acabam muitas das vezes para alertar para possíveis situações de violência doméstica, violência no namoro, violência de género, que acabam por procurar informar-se e expor os seus problemas e dúvidas.”

    Apesar dos avanços, a associação aponta falhas estruturais na resposta do Estado. “A melhoria da prevenção e do apoio às vítimas em Portugal exige uma abordagem integrada e contínua, e embora o país tenha feito avanços, ainda existem lacunas significativas.”

    Entre as falhas destacadas estão: “financiamento sustentado e adequado”, “formação especializada e contínua”, “articulação interinstitucional”, “medidas de prevenção primária”, “acesso territorial equitativo aos serviços”, “apoio integrado e pós-trauma” e “dados e avaliação de políticas”.

    A violência doméstica não é um problema privado. É uma violação de direitos humanos, uma ameaça à dignidade e à liberdade de milhares de mulheres em Portugal — todos os dias. E o mais grave é que, muitas vezes, está camuflada no silêncio, no medo e na banalização social.

    Não podemos continuar a normalizar o inaceitável. Não podemos ignorar ou justificar o medo, a humilhação e a dor. Nenhuma mulher deve ser obrigada a viver sob controlo, ameaça ou violência.

    A cada morte anunciada, a cada queixa ignorada, a cada silêncio cúmplice, perpetua-se um ciclo que mata — fisicamente, psicologicamente e socialmente. É urgente compreender que a violência contra as mulheres não é uma exceção. É um problema estrutural. E grave.

    É preciso falar, denunciar, ouvir, proteger. E, sobretudo, agir. Porque quando uma mulher diz “basta”, é a sociedade inteira que deve responder:
    “Estamos contigo.”

    “Ninguém merece viver com medo. Há ajuda. E há vida depois do medo”.

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