Na Assembleia da República, nem todas as vozes soam da mesma forma. Algumas chegam com sotaque vincado, com o peso das lutas locais e a memória de quem vive e trabalha fora dos grandes centros. A deputada Filipa Pinto, eleita pelo círculo do Porto pelo Partido Livre, é uma dessas vozes. Professora há três décadas e ativista comprometida, leva à casa da democracia não só os valores do ecossocialismo, mas também o olhar atento de quem conhece o terreno.
Filipa vive e dá aulas em Lousada, vila que representa muito mais do que um ponto de origem. É território de causas, de aprendizagem e de consistência política. Foi ali construiu a sua sensibilidade social, a partir do contacto diário com alunos e famílias que enfrentam dificuldades económicas, invisibilidade social e desigualdade de oportunidades.
Mas foi em 2019 que o seu envolvimento político se tornou público. A chegada da extrema-direita ao espaço político português e a perceção de que o voto já não bastava empurraram-na para a participação ativa “A passagem para a vida política foi natural, em 2019, com o aparecimento de um partido de extrema-direita em Portugal. Nesse ano, senti que tinha de dar um passo mais sério e interventivo e entrei para a política ativa.”, conta Filipa.
Com um percurso enraizado no ativismo de base e na educação pública, Filipa carrega para o Parlamento uma bagagem que muitos dos seus colegas não têm: a convivência diária com os problemas reais de quem está fora dos grandes centros urbanos. Em Lousada, diz, vê-se espelhado o país profundo, onde as fragilidades sociais são agravadas pelo esquecimento político, “Viver em Lousada significa viver num meio tranquilo, com qualidade de vida, mas, ao mesmo tempo, com muita desigualdade. Nesta região, podemos identificar problemas de vária ordem: o nível de escolaridade da população tem melhorado ao longo dos anos (o abandono escolar tem vindo a diminuir visivelmente), mas esta região é uma zona de baixos salários.”
Entre as prioridades que a levou à Assembleia, destacou desde cedo a necessidade de investimentos estruturais para a região. A exigência de um compromisso com a Linha do Vale do Sousa foi uma das suas primeiras intervenções no Parlamento, denunciando o risco de exclusão ferroviária de milhares de cidadãos, “Há uma dificuldade de mobilidade devido à falta de acesso a transportes públicos frequentes e de qualidade, nomeadamente, atrasos graves na construção da Linha do Vale do Sousa. Na minha primeira intervenção na Assembleia da República, em outubro de 2024, tive oportunidade de questionar o Ministro sobre esta linha e não obtive resposta satisfatória.”
Mas o seu olhar político vai muito além das infraestruturas. É na escola que testemunha de forma direta o impacto das desigualdades. A docência, mais do que uma profissão, é para si um lugar de observação e a ação social. Ali encontra os sinais de um país a várias velocidades, onde os jovens enfrentam precaridade, desmotivação e, por vezes, abandono, “Na escola, assistimos a verdadeiros dramas sociais e pessoais. Crianças e adolescentes que passam carências económicas, que enfrentam dificuldades de aprendizagem, falta de recursos das famílias e de condições para estudar, bullying, abandono parental, solidão, problemas de identidade e orientação sexual, problemas psicológicos, como ansiedade e depressão, problemas que fazem parte do crescimento e a escola tem de dar resposta a tudo isto. São estas realidades que nos fazem ter vontade de contribuir para a mudança”, afirma.
A sua proposta política é clara: combater a indiferença com medidas concretas e recusar a lógica da indiferença tecnocrática. E para isso, a empatia é central. Filipa vê na capacidade de ouvir e compreender o outro não apenas uma virtude pessoal, mas um princípio fundamental da ação política, “A política tem de falar às pessoas. As pessoas têm de ser ouvidas e as suas preocupações reconhecidas.”
Entre as propostas que pretende ver avançar, destaca-se o reforço da habitação pública, a semana de quatro dias de trabalho, o aumento progressivo do salário mínimo até 2029, o investimento urgente na escola pública e no SMN (salário mínimo nacional), bem como um novo Pacto Verde, que crie emprego digno e sustentável, “avançar com um Novo Pacto Verde para diminuir as desigualdades sociais e mudar para uma economia que respeita o ambiente, aposta em várias áreas e não depende de combustíveis fósseis, é uma economia de futuro. Não há estado social, com Educação, Saúde e Habitação sem um planeta saudável”.
Enquanto mulher na política, Filipa não tem ilusões. Reconhece os avanços conquistados, mas aponta os obstáculos que persistem: a resistência interna, os estigmas, o tratamento desigual entre homens e mulheres, mesmo em partidos com preocupações igualitárias, “As mulheres têm sempre de provar duas vezes mais que são capazes, enquanto os homens ainda têm um caminho mais facilitado. Felizmente, estou no partido certo: ao contrário de outros partidos, no LIVRE há paridade completa nas listas e nos seus órgãos internos – 50% homens e 50% mulheres”.
A política que pratica é feita de proximidade, realismo e princípios. E é na junção entre sala de aula e Parlamento que encontra o seu espaço: onde pode falar, propor e agir- mas sobretudo, escutar.
A voz de Filipa Pinto, vinda do Vale do Sousa, não é apenas mais uma entre as bancadas do Parlamento. É uma voz que leva consigo o quotidiano das salas de aula, as preocupações de quem vive fora dos grandes centros e a urgência de quem não desiste da política como ferramenta de transformação. Entre a resistência e a construção, entre o protesto e a proposta, a deputada do LIVRE representa uma forma de fazer política que escuta antes de decidir — e que age sem perder de vista para quem está a trabalhar.
“É nossa obrigação entregar às crianças e jovens de hoje uma sociedade onde seja seguro viver, um mundo mais solidário e mais justo. Não lhes podemos retirar a esperança. Tudo farei para que essa esperança não morra.”
Com os pés em Lousada e o olhar no futuro, continua a lembrar que o país começa onde tantos pensam que acaba.


