21 novembro 2024, 21:22
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    InícioReportagemBeatriz Babo: Uma lousadense na Embaixada portuguesa na China

    Beatriz Babo: Uma lousadense na Embaixada portuguesa na China

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    Beatriz Babo é uma jovem de 23 anos que morava, até há uns meses, na freguesia de Cernadelo, em Lousada. No entanto, depois de a sua vida dar uma volta de 180 graus, encontra-se a morar em Pequim, na China, e ocupa o cargo de secretária do Embaixador de Portugal em Pequim, Paulo Jorge Nascimento. O interesse pelo oriente, pelos países asiáticos e por tudo o que envolva esta cultura, considerada “mística” por muitos, está presente em Beatriz desde que se lembra e, por isso, em 2017 decidiu aprofundar os seus conhecimentos neste tema e ingressou na Universidade do Minho, no Instituto de Letras e Ciências Humanas para se licenciar em Estudos Orientais. Este curso, relativamente recente, oferece aos alunos a possibilidade de, durante 3 anos, estudarem chinês, e durante 2 anos estudarem japonês, em simultâneo, assim como tudo o que envolva a cultura, história, língua, arte, poesia e costumes acerca das culturas orientais.

    No fim da licenciatura, Beatriz Babo decidiu fazer um mestrado na mesma área, com o objetivo de realizar intercâmbio na Universidade de Nankai, em Tianjin, na China, para aprofundar os conhecimentos anteriormente aprendidos, mas, desta vez, no terreno. “Consegui uma bolsa para o metrado e, nesse momento, o mundo parou por causa da Covid-19 e a China foi um dos países mais afetados, portanto, não me deixarem embarcar até lá e tive de fazer as aulas do primeiro ano de mestrado à distância. Por causa da diferença horária de 7 horas no horário de verão português, ou 8 horas no horário de inverno, tive de assistir à maioria das aulas online às 2 ou 4 da manhã e tive aulas assim durante cerca de 4 meses. Confesso que foi um pouco frustrante, porque senti que não estar a estudar em Nankai fisicamente me prejudicou, tanto na aprendizagem do chinês, como na experiência em si. Já no segundo ano de mestrado, continuei as aulas, mas, desta vez, na Universidade do Minho e depois realizei um estágio curricular numa empresa de consultoria comercial. Gostei bastante da experiência, no entanto, e contra as minhas expetativas, não me permitiu trabalhar em contacto com a China como eu gostaria, mais uma vez devido à Covid-19”.

    No fim dos estudos, Beatriz optou por se dedicar à procura de trabalho, enquanto redigia o relatório de estágio. “Procurei muita coisa, tanto que estivesse relacionada com a minha área de estudo, o Chinês, para pôr em prática o que aprendi, como empregos relacionados com outras áreas. Pensei em fazer consultoria, ligação entre empresas portuguesas e chinesas, tradução, entre outras coisas, mas não foi fácil. Enviei muitos currículos, procurei muito, mas não tive sucesso, porque não existem muitas empresas que façam tradução de chinês”. Foi por um acaso, numa conversa com uma colega mais velha que morava na China, que Beatriz decidiu tentar a sorte neste país. “Questionei se a minha colega teria sugestões de como começar a procurar trabalho em solo chinês, ao que me disse que sabia que iriam abrir vagas para secretária do embaixador português na China. No dia seguinte fiz a candidatura e cerca de uma semana depois fui informada de que fui aceite para fazer a entrevista, já sabendo que todos os custos associados à oferta e à minha ida para a China, como viagens, alojamento ou seguros de saúde teriam de ser responsabilidade minha. Em pouco tempo recebi um email a informar que tinha sido aceite e chorei imenso, mas, depois de me acalmar, falei com a minha família que me disse que isto era uma oportunidade única, que me apoia em tudo e que eu deveria aceitar”. Começou, assim, todo o processo de mudança de Portugal para a China, que apesar de contar com algumas facilidades, pelo facto de se tratar de uma funcionária da Embaixada, foi muito complexo e demorado. “Senti um conflito interno. Estava feliz e triste ao mesmo tempo”, confessa ao Terras do Vale do Sousa (TVS).

    Depois de quase um dia inteiro em viagem chegou à China e foi recebida pela Embaixada. “Nem tive tempo de descansar porque cheguei no dia 10 de junho, ou seja, dia de Portugal, e havia uma festa na Embaixada Portuguesa. Nesse dia conheci o senhor embaixador, os diplomatas e toda a “família” da Embaixada. Gostei imediatamente do ambiente de trabalho que tenho desde o primeiro dia”. Antes do primeiro dia na Embaixada, Beatriz teve de se informar sobre protocolo, hierarquia, conduta e algumas regras desta organização. “Apesar de não utilizar uniforme, tento sempre vestir-me de uma maneira mais formal porque realmente as aparências, naquele sítio, interessam e fazem a diferença”. O idioma utilizado dentro da Embaixada é o português, porque todos os funcionários e os diplomatas são portugueses e Beatriz fala inglês com pessoas de outras embaixadas e chinês com os motoristas da embaixada e com outros funcionários chineses. “São raras as vezes que falo chinês na embaixada, acabo por falar muito mais fora do meu local de trabalho, no entanto, tento praticar”. “A Embaixada está dividida em duas partes essenciais, a Embaixada em si, que é onde eu trabalho, e o Consulado. Na Embaixada só tratamos da parte política, ou seja, da relação entre a China e Portugal e de figuras de estado chinesas, ou de outros países, com Portugal, na China. Já o Consulado faz a relação entre os cidadãos que estão na China e Portugal”, explica. “O que mais me surpreendeu na China foi a conveniência de absolutamente tudo. Aqui ninguém utiliza dinheiro nem cartão, faz-se tudo com o telemóvel, em qualquer lugar, até na muralha da China, além disso, os chineses adoram que os estrangeiros falem a sua língua e ficam muito contentes e orgulhosos. São pessoas muito atenciosas, quando veem que alguém não está a perceber, têm o cuidado de falar mais devagar e de tentar ajudar”. A conveniência sentida para realizar tarefas em Pequim e o facto de ser uma cidade muito segura, são os aspetos que a lousadense mais aponta com entusiasmo. Refere que é possível ter “Todo o tipo de comida em casa em menos de meia hora” e que “as compras pela internet chegam no dia seguinte, não sendo necessário esperar semanas ou meses” e acrescenta que “na China existem câmaras em todo o lado e até mais do que uma. Tudo está a ser gravado, então ninguém tem a tentação de cometer um crime, aqui sinto-me completamente segura”. Outra coisa que fascina Beatriz é a fácil utilização de meios de transporte que não o automóvel. “Eu costumo deslocar-me de bicicleta para o trabalho, porque existem bicicletas espalhadas por todas as ruas da cidade, basta fazer scan com o telemóvel e o passe de bicicleta para 1 mês custa cerca de 3 euros. Posso ir para onde quiser, o tempo que quiser e deixar a bicicleta onde quiser. Apesar de Pequim não ser, ainda, uma cidade muito internacional e contar com algumas casas antigas, as ruas estão muito bem preparadas para este meio de transporte. É mais conveniente usar bicicletas ou motas no centro da cidade do que automóveis, porque o trânsito é muito complicado e não compensa”.

    Beatriz Babo é a primeira a chegar à Embaixada nos dias de trabalho que se desdobram entre ver emails, tratar da correspondência e realizar tarefas necessárias para a agenda do embaixador. Quando sai das suas funções, utiliza novamente a bicicleta e o resto do dia destina-se ao que desejar fazer. “Por vezes, vou à Taikoo Li Sanlitun, que é uma área comercial que tem as maiores marcas de roupa e acessórios ocidentais, num ambiente que remete aos novos ricos, onde as pessoas se juntam a conviver. Parece uma passadeira vermelha, as pessoas vestem-se muito bem e estão sempre maquiadas porque nesse sítio costumam estar fotógrafos profissionais, a tirar fotografias e a pôr nas redes sociais. Os chineses vão a esse local para mostrarem o seu estatuto social”. “Em Pequim é habitual ver estrangeiros, mas mesmo assim ainda é mesmo pouca gente, diria que cerca de 10% das pessoas que cá estão não são chineses. Pequim é a capital e tem 22 milhões de pessoas, mas é uma cidade antiga, não é muito internacional. Aqui veem-se estrangeiros por causa das embaixadas e as pessoas não me encaram muito por ser diferente. É quase impossível chamar a atenção, mas, em outros locais, como aldeias mais remotas e tradicionais, os estrangeiros chamam muito a atenção. Já me pediram para tirar fotografias, olham para mim com fascínio, por ser diferente, e costumam perguntar-me de onde sou em inglês, quando respondo em chinês ficam mesmo felizes. Muita gente fica contente quando digo que sou portuguesa, porque são obcecados pelo Cristiano Ronaldo. Vejo muitos miúdos chineses com camisolas da seleção portuguesa. As crianças ficam fascinadas e fazem questão de passar várias vezes por nós para verem o que temos de diferente. E algumas destas aldeias são apenas a 20 minutos de Pequim. Para essas pessoas não é nada comum ver pessoas diferentes. Mas os chineses não são nada preconceituosos, pelo contrário, eles ficam muito felizes”.

    Sair de Lousada com menos de 50 mil habitantes e ir para uma cidade com 22 milhões de pessoas.

    A freguesia de Cernadelo, onde Beatriz morou toda a sua vida, tem cerca de mil habitantes e o concelho de Lousada tem menos de 50 mil pessoas. Neste momento coabita com mais 22 milhões de pessoas numa das cidades mais populosas do mundo. “É muito diferente, apesar de Pequim ter algumas parecenças com outras cidades europeias. Apesar de me ter surpreendido positivamente com a conveniência de tudo nesta cidade, o choque negativo foi a maneira ultrapassada de viver das pessoas.” A China cresceu e tem vindo a crescer muito depressa nos últimos anos, hoje em dia é conhecida como uma das maiores potências mundiais, mas isso é recente. “Os chineses estão a ficar muito ricos, muito depressa e as pessoas não estão a conseguir acompanhar o crescimento económico em termos de mentalidade, têm muito dinheiro e gastam muito dinheiro em carros, roupa, operações plásticas e cosméticos, mas no que toca a questões de saúde e segurança alimentar eles não se preocupam. Choca-me ver pessoas aparentemente com muito dinheiro a viver nas grandes cidades em apartamentos sem grandes condições, que não têm quase cuidado nenhum com higiene. Já vi pessoas a fazer a barba na estrada e há pessoas que acham normal ver baratas na rua ou dentro das casas e das cozinhas. Infelizmente vê-se um monte de coisas que parecem não coincidir com a riqueza que se vê aqui. Os esgotos, a distribuição de água e a recolha do lixo não são tão avançadas como Portugal. Para nós ter essas boas condições é o mínimo, mas para eles não é uma prioridade. Acho que foi a maior diferença entre Portugal e a China que senti. Claro que vejo que os mais novos começam a ter uma preocupação maior com esse tipo de coisas, mas ainda é uma realidade chocante. Em Portugal, como o país está a crescer devagar, as pessoas adaptam-se melhor, mas, neste caso, apesar de os mais novos tentarem proporcionar uma mudança, a diferença é chocante”, refere a lousadense.

    Há emprego em Portugal, ou só na China?

    A lousadense explicou ao TVS que o curso de Estudos Orientais ainda é “relativamente recente”, e, por isso, poderá não estar bem preparado a 100% para formar pessoas. No entanto, refere que existem “cada vez mais alunos a frequentar esta licenciatura, porque as pessoas estão a perceber a importância da China a nível mundial”. Por um lado, acredita que existem muitas oportunidades, já que “há muitas pessoas que procuram tradutores, sobretudo jurídicos, o que tem muita saída, mas é um emprego em que é preciso dominar muito bem a língua chinesa, o que é difícil para uma pessoa sem experiência”. Sabe-se que existem, cada vez mais, empresas chinesas a investir em Portugal e nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), portanto, “haverá cada vez mais saída para o curso, as ofertas em Portugal vão aumentar progressivamente”. “A China está em todo o lado, então haverá saída e oferta em todos os países, nomeadamente no próprio continente asiático”. Quando pensa no futuro, Beatriz refere que, por enquanto, pretende ficar na Embaixada Portuguesa na China durante algum tempo, o que “fará toda a diferença no meu currículo, mas quero voltar, eventualmente”. Não deixa de destacar a “beleza da Ásia” e de referir que a China “tem imensas coisas bonitas para ver, tem deserto, tem gelo, tem mar, temperaturas tropicais, tem tudo”. Por fim, deixa a todos os leitores a mensagem de que este país, que muitos consideram como distante e impossível de visitar, é, na verdade, uma das maravilhas do mundo, e que deixa a todos o convite de o visitar.

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